Se os profetas veem a essência mesma de Deus.
O primeiro
discute–se assim. – Parece que os profetas veem a essência mesma de Deus.
1. – Pois, àquilo da
Escritura – Dispõe da tua casa, etc. – diz a Glosa: Os Profetas podem ler no
livro mesmo da presciência divina, no qual todas as coisas estão prescritas.
Ora, a presciência de Deus é a essência mesma dele. Logo, os profetas veem a
essência mesma de Deus.
2. Demais. –
Agostinho diz: Naquela eterna verdade, segundo a qual foram feitas todas as
coisas do mundo, vemos, por uma visão especial, a forma pela qual existimos e
agimos. Ora, os profetas, entre todos os homens, têm o conhecimento altíssimo
das causas divinas. Logo, eles são os que chegam mais alto na visão da divina
essência.
3. Demais. – Os futuros
contingentes o profeta os prevê na imóvel verdade. Ora, eles assim não existem
senão no próprio Deus. Logo, os profetas veem o próprio Deus.
Mas, em contrário, a
visão da essência divina não desaparece na pátria. Ora, a profecia
desaparecera, como se lê no Apóstolo. Logo, a profecia não implica a visão da
essência divina.
SOLUÇÃO. – A
profecia supõe um conhecimento divino do que existe nos longes do tempo. Por
isso, o Apóstolo diz, que os profetas estavam vendo de longe. Ora, os que estão
na pátria, gozando de bem–aventurança, não vêm como de longe, mas, como de
perto, segundo aquilo da Escritura: Os retos habitarão em a tua presença. Por
onde, é manifesto, que o conhecimento profético é diverso do conhecimento
perfeito, tal como este existirá na pátria. E portanto, deste se distingue como
o imperfeito, do perfeito; e desaparecerá, quando chegar o conhecimento
perfeito, como está claro no Apóstolo.
Certos porém,
querendo distinguir o conhecimento profético do dos bem–aventurados, disseram,
que o profeta vê a própria essência divina, a que chamam espelho da eternidade;
não a vê contudo do modo por que ela constitui o objeto da contemplação dos
bem–aventurados, mas enquanto nelas existem as razões dos acontecimentos
futuros. Ora, isto é absolutamente impossível. Pois, a essência mesma de Deus é
o objeto da bem–aventurança, conforme ensina Agostinho: Bem–aventurado quem te
conhece, mesmo se as ignorar, isto é, as criaturas. Ora, não é possível alguém
ver as razões das criaturas na essência mesmo de Deus, sem lhe contemplar a
essência. Quer por ser a própria essência divina a razão de todas as coisas
feitas e a razão ideal só acrescentar à divina essência a relação com
criaturas; quer também porque o conhecermos uma coisa em si mesma – como Deus,
enquanto objeto da beatitude, é anterior a conhecermos em relação com outra –
como Deus, pelas razões das coisas nele existentes. Por onde, não é possível os
profetas verem a Deus, enquanto encerrando as razões das criaturas, sem o verem
enquanto objeto de beatitude.
Por isso, devemos
concluir, que a visão profética não é uma visão da essência mesma de Deus; nem
veem na essência divina as coisas mesmas que veem, senão por meio de certas
comparações, por uma ilustração do lume divino. Donde o dizer Dionísio, falando
das visões proféticas, que o teólogo sábio chama visão divina, a que se faz por
comparações com as coisas privadas de forma corpórea, contemplando–as os
videntes, em Deus. E tais semelhanças, ilustradas pelo lume divino, têm, mais
que a essência de Deus, a natureza do espelho. Pois, o espelho reflete as
espécies das outras coisas, o que não se pode dizer de Deus. Contudo, espelho
pode se chamar a essa ilustração do espírito profético, por se refletir nela a
semelhança da verdade da presciência divina. E por isso se chama espelho da
eternidade, quase representativo da presciência divina, que vê todas as causas
presentes, na sua eternidade. como se disse.
DONDE A RESPOSTA À
PRIMEIRA OBJEÇÃO. Diz–se que os profetas veem no livro da presciência de
Deus, enquanto que dessa presciência mesma dimana a verdade para o espírito do
profeta.
RESPOSTA À SEGUNDA.
– Diz–se que o homem vê na verdade primeira a própria forma, pela qual existe,
enquanto que a semelhança da verdade primeiro refulge na alma humana, e a torna
capaz de se conhecer a si mesma.
RESPOSTA À TERCEIRA.
– O fato mesmo de existirem em Deus os futuros contingentes, fundados na imóvel
verdade, pode imprimir na mente do profeta um conhecimento semelhante.